domingo, 6 de novembro de 2011

Jornalista que vira notícia.

Um dia cinza... Triste!
Talvez pra alguns seja difícil entender como a morte de um "desconhecido" pode afetar assim a nossa vida. Acabar com a graça do nosso domingo! Pra esses, eu digo: "Basta pensar que ele, Gelson Domingos, 46 anos, morreu fazendo o que mais gostava, como todos nós fazemos todos os dias... Basta pensar que ele deixou uma família, filhos, netos... Basta pensar que ele engrossa estatísticas tristes do nosso país dominado pelo tráfico de drogas."
Sinto o coração pequeno e apertado. O cinegrafista da Band saiu de casa para trabalhar num domingo e jamais voltará. Ele usava colete a prova de bala... O projétil veio de um fuzil e atravessou a proteção. Morreu com um tiro no peito, durante uma operação do BOPE no conjunto Antares, na zona Oeste do Rio de Janeiro.

Impotência... Essa é a sensação mais uma vez.  Em 2002 foi a morte de Tim Lopes que nos fez parar pra pensar. O repórter daTV Globo foi sequestrado e condenado à morte pelo Tribunal do Tráfico, na Vila Cruzeiro, também no Rio de Janeiro. E daí, mudamos de estado... E lembramos do sequestro do jovem jornalista Guilherme Portanova, em agosto de 2006. Ele foi levado de uma padaria perto da TV Globo, em São Paulo, junto com o auxiliar Alexandre Calado, por integrantes do Primeiro Comando da Capital, o PCC.
Uma vida por uma mensagem na rede de televisão mais importante do país... Uma das maiores do mundo. O auxiliar foi libertado e, com ele, um vídeo com a mensagem que deveria ser exibida pela Rede Globo... Só assim Portanova seria visto novamente com vida. E assim foi!
Lembro-me bem como foi difícil entrar na viatura da TV e sair pra fazer reportagens, neste dia, na região com a maior concentração de presídios do estado de São Paulo - a região de Presidente Prudente. É alí que estão as penitenciárias de segurança máxima de Presidente Venceslau, o tão temido RDD - o presídio com o Regime Disciplinar Diferenciado... Aquele regime em que os presos "não têm regalias", que funciona na pequena cidade de Presidente Bernardes.
Era pra lá que a cúpula da segurança pública do estado queria transferir os chefes do PCC, em maio daquele ano, para evitar uma já prevista rebelião coletiva. A justiça não autorizou. E todos foram levados para um único presídio, em Presidente Venceslau... Mais de setecentos homens. A ideia era isolar pra tentar controlá-los melhor. Equipes e mais equipes de reportagem pra dar conta de mostrar a megaoperação de transferência de todos eles, no dia 11 de maio, uma quinta-feira, três dias antes do Dia das Mães. Era para esse domingo que estava programada a megarrebelião.

Insatisfeitos, os presos não demoraram pra se organizar... E o medo assolou o estado mais rico e mais desenvolvido do país. Na noite de sexta-feira começaram os ataques... Na capital e no interior. Delegacias, postos da Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, órgãos públicos. Dias de terror pra toda a população. Nas primeiras vinte e quatro horas de ataques, em 58 atentados, contavam-se entre os mortos, 12 PMs, 6 policiais civis, 3 guardas metropolitanos, 4 agentes penitenciários e 4 criminosos.
Beneficiados pelo calendário, os criminosos ganharam reforço. 12 mil presos conseguiram o direito de sair temporariamente das penitenciárias para "passar o dia das mães em casa". Não se sabe quantos deles foram para as ruas aterrorizar o Estado.

Confesso que participar da cobertura desses fatos foi marcante... Digo mais: um privilégio. Lembro-me bem de estar em casa, com roupa velha, sabe?! aquelas bem confortáveis... Sentada no chão, brincando com a minha filha, que ainda não tinha um ano. O telefone tocou: "Tici, precisamos de você! A delegacia de Dracena virou alvo dos ataques." Em poucos minutos,lá estava eu, prontinha. Uma viagem de mais ou menos 100km. Alguns minutos de gravação... Depoimentos de moradores de uma cidade do interior, calma, tranquila, que viam alí, no quintal de casa, cenas que só tinham visto pela TV...
É, pela TV! É assim, a gente vai... Deixa tudo e todos em casa, pra mostrar coisas boas e ruins para os telespectadores. É por amor... É pelo dom que Deus nos deu de noticiar... Mas, infelizmente, em alguns casos, o JORNALISTA está virando NOTÍCIA!!!

Pra saber:
Para a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), 2011 se converteu no ano mais trágico para a imprensa latino-americana em 20 anos. Foram mortos 19 jornalistas nesse continente, até julho. O México continua sendo o país mais perigoso da América para jornalistas. Lá 66 foram mortos e 12 desaparecidos na última década. São vítimas diretas dos grupos armados que assaltaram o país.

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